Wednesday, July 19, 2006

O homem que passava as tardes em museus



Ela sabia de um homem que passava as tardes em museus. Todas as tardes. Mas apenas as tardes. Todas. Nunca as manhãs. Nunca à noite, nem mesmo nas noites, de países distantes, em que os museus permaneciam abertos toda a noite. Apenas, e sempre, à tarde. A tarde toda. As tardes todas. Assim também em países distantes. Ela não o conhecia. Nunca o vira. Apenas sabia daquele facto curioso. Sobre ele passar as tardes em museus. Até que um dia...Um certo dia encontrou-o. Por acaso. Num museu. À tarde. Num país distante. Sem saber que era ele. A olhar um Modigliani que, ela achava, era ela. Durante um bocado espreitou-o, pelo canto do olho. Pelo rabinho do olho, pensou. E então riu-se. Ela tinha o riso fácil, costumavam dizer-lhe. E sonoro. Ele ouviu-a, primeiro, virou-se, depois, olhou-a, a seguir, sorriu, por fim, desapareceu, em seguida, e isto durou tudo um momento tão pequeno que ela não chegou a perceber qual era a cor dos olhos dele. Não voltou a vê-lo. Nunca mais. Em nenhum museu. Em nenhuma tarde. Apesar de ter procurado. Apesar de muitas pessoas continuarem, de quando em quando, a falar-lhe num homem que passa as tardes em museus. Apesar do alvoroço que nunca mais abandonou a sua memória que uns dias lhe diz uma cor e noutros lhe fantasia outra. E é só em noites de luar, como esta, que ela sabe que os olhos dele têm a cor da noite que a recebe. E volta a rir. Sempre à noite. Nunca à tarde.