Wednesday, July 19, 2006

The little green pig (from The Pillowman)



Era uma vez, numa quinta numa terra estranha e distante, vivia um pequeno porquinho diferente de todos os outros pequenos porquinhos ao seu redor.O pequeno porquinho era diferente de todos os outros porquinhos porque era verde, não, porque era verde fluorescente, mesmo, verde que brilhava na noite.Ora, o pequeno porquinho verde gostava realmente de ser verde. Não que ele não gostasse da cor dos outros porquinhos, não, não era nada disso, ele até achava o cor-de-rosa uma cor bonita, mas, na verdade, ele gostava de ser assim, assim verde, assim um bocadinho diferente e um bocadinho peculiar.Os outros porquinhos ao seu redor é que não gostavam nada do pequeno porquinho verde; tinham inveja da sua cor especial e, por isso, metiam-se com ele, faziam-lhe a vida negra, e as suas queixas e zangas permanentes acabaram por aborrecer os donos da quinta e um dia estes pensaram “Hmmm, o melhor é fazermos qualquer coisa para acabar com isto”.E, se bem o pensaram melhor o fizeram, e então, uma noite, quando os porquinhos estavam todos a dormir nos vastos campos da quinta, os homens agarraram no pequeno porquinho verde e levaram-no para o celeiro, com o pequeno porquinho verde sempre a guinchar e a chorar, e os outros porquinhos a rir-se dele, e quando chegaram ao celeiro os donos da quinta abriram este enorme barril cheio de uma tinta cor-de-rosa muito especial e meteram lá dentro o pequeno porquinho verde até ele ficar coberto da cabeça aos pés com aquela espessa tinta cor-de-rosa, e nem um pedacinho de verde ter sobrado, e depois mantiveram-no pendurado até a tinta acabar de secar.E o que era muito especial a propósito desta tinta cor-de-rosa era que esta tinta não poderia nunca ser lavada ou pintada por cima. Não poderia nunca ser lavada nem poderia nunca ser pintada por cima.E o pequeno porquinho verde pensou “oh, por favor, meu deus, por favor, não me deixes ser como o resto dos porquinhos, eu gosto tanto de ser assim um bocadinho peculiar”.Mas era tarde demais. A tinta tinha secado e os donos da quinta mandaram o pequeno porquinho para junto dos outros porquinhos, e todos os porquinhos cor-de-rosa se riram do pequeno porquinho à medida que ele caminhava, triste, até chegar ao seu pedaço de relva favorito, tentando perceber porque é que deus não tinha escutado as suas preces, mas não conseguia entender e então chorou, chorou até adormecer mas mesmo as dezenas de lágrimas que chorou não podiam lavar aquela horrível tinta cor-de-rosa pois aquela tinta não poderia nunca ser lavada nem poderia nunca ser pintada por cima.Ora, nessa noite, enquanto todos os porquinhos continuavam a dormir nos campos da quinta, veio esta estranha tempestade, com grandes e grossas nuvens, e começou a chover, devagarinho primeiro mas depois com mais força e mais força e mais força.E esta chuva não era uma chuva normal mas uma chuva verde muito especial, quase tão espessa como tinta e, mais do que isso, esta era uma chuva ainda mais especial porque o verde desta chuva não poderia nunca ser lavado ou pintado por cima. Não poderia nunca ser lavado nem poderia nunca ser pintado por cima.E então, quando a manhã chegou e a chuva parou e todos os porquinhos acordaram, os porquinhos descobriram que todos se tinham transformado em pequenos porquinhos verdes. Todos, menos um, claro, o nosso pequeno porquinho verde que era agora o único pequeno porquinho cor-de-rosa porque, nele, a chuva verde não fizera qualquer efeito por causa da tinta cor-de-rosa especial com que os donos da quinta o tinham pintado.E, enquanto olhava para aquele mar de pequenos porquinhos verdes à sua volta, a maior parte dos quais chorava como bébés, o porquinho sorriu e agradeceu aos céus por lhe terem permitido que continuasse a ser assim um bocadinho diferente, assim um bocadinho peculiar. Sabendo que, afinal, seria sempre um bocadinho diferente. E um bocadinho peculiar.

(The Pillowman: A Play, Martin McDonagh - traduzido por Abel)

Cinemateca portuguesa



Hello, gorgeous... You talking to me?... Go ahead, make my day... All right, Mr. DeMille, I'm ready for my close-up... Frankly, my dear, I don't give a damn... Ah, I love the smell of napalm in the morning… Toto, I've got a feeling we're not in Kansas anymore… Here's looking at you, kid... After all, tomorrow is another day!... You don't understand! I coulda had class. I coulda been a contender. I could've been somebody, instead of a bum, which is what I am... If you build it, he will come... Shane. Shane. Come back!... You can't handle the truth!... Wait a minute, wait a minute. You ain't heard nothin' yet!... Well, why don't you come up sometime and see me?... You know how to whistle, don't you, Steve? You just put your lips together and blow… Well, nobody's perfect… Stella! Hey, Stella!... Oh, Jerry, don't let's ask for the moon. We have the stars… I'm going to make him an offer he can't refuse… That’s the stuff that dreams are made of... We'll always have Paris… My precious… Rosebud… Listen to them. Children of the night. What music they make… Forget it, Jake, it's Chinatown… Keep your friends close, but your enemies closer… Louis, I think this is the beginning of a beautiful friendship… Listen to me, mister. You're my knight in shining armor. Don't you forget it. You're going to get back on that horse, and I'm going to be right behind you, holding on tight, and away we're gonna go, go, go!... My mother thanks you. My father thanks you. My sister thanks you. And I thank you… Made it, Ma! Top of the world!... A martini. Shaken, not stirred… I see dead people… You had me at "hello."… I am big! It's the pictures that got small...

O homem que passava as tardes em museus



Ela sabia de um homem que passava as tardes em museus. Todas as tardes. Mas apenas as tardes. Todas. Nunca as manhãs. Nunca à noite, nem mesmo nas noites, de países distantes, em que os museus permaneciam abertos toda a noite. Apenas, e sempre, à tarde. A tarde toda. As tardes todas. Assim também em países distantes. Ela não o conhecia. Nunca o vira. Apenas sabia daquele facto curioso. Sobre ele passar as tardes em museus. Até que um dia...Um certo dia encontrou-o. Por acaso. Num museu. À tarde. Num país distante. Sem saber que era ele. A olhar um Modigliani que, ela achava, era ela. Durante um bocado espreitou-o, pelo canto do olho. Pelo rabinho do olho, pensou. E então riu-se. Ela tinha o riso fácil, costumavam dizer-lhe. E sonoro. Ele ouviu-a, primeiro, virou-se, depois, olhou-a, a seguir, sorriu, por fim, desapareceu, em seguida, e isto durou tudo um momento tão pequeno que ela não chegou a perceber qual era a cor dos olhos dele. Não voltou a vê-lo. Nunca mais. Em nenhum museu. Em nenhuma tarde. Apesar de ter procurado. Apesar de muitas pessoas continuarem, de quando em quando, a falar-lhe num homem que passa as tardes em museus. Apesar do alvoroço que nunca mais abandonou a sua memória que uns dias lhe diz uma cor e noutros lhe fantasia outra. E é só em noites de luar, como esta, que ela sabe que os olhos dele têm a cor da noite que a recebe. E volta a rir. Sempre à noite. Nunca à tarde.

Saturday, July 01, 2006

The hollow man



Aquele era o momento. Já quase não havia sol mas a lua tardava em chegar. Havia uma brisa quente apesar da chuva que ameaçava não parar.Estava deitado na relva, encharcado até aos ossos, indiferente aos olhares dos, poucos, passeantes que não se haviam refugiado dentro das lojas, cafés e restaurantes a abarrotar de gente.Quando finalmente se levantou foi para se dirigir à sua livraria preferida; tinha esgotado a tinta permanente da caneta usada para escrever, laboriosamente, as ideias que a chuva lhe trouxera, no caderno vermelho que ela lhe dera.Apesar do cuidado extremo que tivera não conseguira impedir que uma ou duas gotas de chuva tivessem encontrado refúgio nas folhas garatujadas mas, depois do primeiro prenúncio de irritação, acabara por achar graça aos pequenos borrões que pareciam sublinhar certas palavras.O lugar parecia-lhe agora mais vazio, um deserto de casas cor de rosa velho.Fechou os olhos e imaginou uma figura de si próprio, assim, sozinho, no meio de um lago, primeiro a cores, depois em sépia, depois a preto e branco, cada vez mais negro, enquanto ele se movia, muito lentamente, de forma tão imperceptível que a câmara não registaria nem sequer o último momento antes que ele desaparecesse e o lugar ficasse novamente deserto.